segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Quando ela não quis pentear o cabelo

A ação decorre no quarto da menina, no período pós-banho. Mãe e filha estão em cena. Filha, um ano e meio, em cima do trocador. Mãe, 30 anos, à sua frente (pero no mucho).

Sinopse do argumento materno:

1. Minha filha, está na hora de pentear o cabelo.
2. Querida, vamos pentear o cabelinho agora?
3. Filha, bora pentear esse cabelo aê.
4. Filhota, a mamãe vai pentear o seu cabelo. NOW!

Não quer. Quer ela mesma “pentear”. Dou-lhe a escova na mão, ela se concentra e desliza nos cabelos, tão direitinho – mas com o lado certo voltado para cima. Acho uma gracinha e permito que brinque mais um pouco. Pronto, agora é hora de pentear de verdade. Ainda não quer. Faz nhé. Nhééé. Me olha, fulminante, com cara de não-sou-mais-sua-amiga.

Como sou mãe e não pega bem fazer “nhé” de volta, engulo o riso que quer sair e digo coisas que devo dizer. E sou tão organizada que digo em ordem.

1. Minha filha, está na hora de pentear o cabelo.

Agora ela cansou de ficar em cima do trocador, quer mamar, ver os passarinhos lá fora e dar a chupeta ao elefante cor-de-rosa – tudo ao mesmo tempo. E eu, que sou tão organizada, explico os antes e os depois, coisa que ela parece ouvir atentamente até que me faz uma pergunta crucial para o andamento do processo:

- Cai cai balão?

Agora ela quer cantar cai, cai, balão. Espera um minuto, a mamãe vai verificar em que ponto aparece essa música no repertório. Ah, sim! É justamente a trilha da cena em que a gente – adivinha? - penteia o cabelo.

2. Querida, vamos pentear o cabelinho agora?

Nisso ela está mordendo o cabo da escova, irredutível, e procura mosquitos no teto. Penso em quanto tempo já perdemos com isso, a hora marcada no pediatra, será que eu já peguei os documentos?

3. Filha, bora pentear esse cabelo aê.

Tiro a escova da mão dela, o que desencadeia um protesto melódico em forma de choro artístico, de modo algum convincente, mas suficientemente alto. Como sou mãe e não posso devolver melodias não convincentes, afino minha goela e mando um dó aveludado, prudente, central, materno e decidido.

4. Filhota, a mamãe vai pentear o seu cabelo. NOW!

Chegamos ao pediatra com 10 minutos de atraso. Ela ostentando um topete estilo arbusto e eu, com a maior cara de ópera, disfarçadamente assobiando em lá maior.

sábado, 23 de agosto de 2008

Achados do You Tube

Procurando Caymmi, encontrei Alice. Não percam.



E mais:

domingo, 17 de agosto de 2008

Dormir fora de casa

Fez um ano e meio e foi pernoitar fora de casa pela primeira vez. Os avós vieram buscar, ela fez uma farra comovente – queria levar a bola, a bola era importante, mamãe, papai, ó, ó a bola. Saiu abraçada com a bola, empoleirada no colo da vó, espevitada.

Quando entrou no carro e percebeu que o pai e eu não íamos junto, senti que ela deu uma travada, fez cara de ops. Mas passou rápido. A viagem foi tranqüila e soube que ficaram dançando na varanda (os três) até tarde da noite, filando a música da vizinhança em festa.

Enfim, dormiu. Minha mãe ligou no celular, conforme o combinado, embora eu já tivesse ligado umas duas vezes querendo saber até que horas, afinal, iria aquela rave.

- Mãe, ela dorme sempre às 8:20. Oito-e-vinte! Sempre.

Mas o apartamento da vó não tem o “sempre”, e ontem era o dia em que o “nunca” vira vez em quando. Vez-em-quandaram-se, os três, na varanda, olhando a lua e dançando a rave do vovô.

Aqui sentimos falta. É engraçado como a criança é tão baixinha, mas sua presença se espalha feito passarinhos por toda a casa. E a gente passa a se mover como se o piadinho deles orientasse o espaço, num jogo delicado de desvios e toques, e quando não estão é gozado o silêncio arrastando os móveis. Tropecei algumas vezes, fiz cara de ops.

Ou seja, vez em quando é ótimo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Mamãezinha!

Eu tinha que contar para todo mundo, desculpe.

Estava tomando café da manhã e ela em volta, blá blá blá, biscoitinho, cereal (ela pede “ceal”), de repente parou e me disse bem assim:

- Mamãe...zinha.

- Filha. Você disse mamãezinha?

E ela, decidida:

- Mamãezinha.

Alguém ensinou, não sei quem foi. Se foi a babá, que é mesmo uma gentileza, ou se uma fada interferiu num sonho dela e: “plim-plim”, diga mamãezinha!

E eu, incrédula:

- Você tem certeza?

- Não.

Já seria demais, né? Se ela me dissesse “sim, tenho certeza que eu disse mamãezinha, porque você é minha mamãezinha querida do coração!”, não estaríamos falando de uma menina de um ano e (quase) meio. Dei outra chance.

- Você disse mamãezinha?

- Mamãezinha!

Beijei aquelas bochechas, peguei naquelas mãozinhas, sacudi aqueles pezinhos, conferi – o umbigo, os joelhos, as orelhas, os olhos do pai. Estava tudo lá, conforme já constava no ultrasom, conforme o médico anunciou que era menina, e nasceu, e amamentei, e cresceu e já tem cachos castanhos, as coxas que as tias reivindicam com justiça, a pele que as avós identificam, é moreninha mais que a mãe e o pai, conforme ninguém previu – quem poderia? - a alegria, o sorriso de sete dentinhos já graúdos, ai, conforme o primeiro instante em que ela me disse, súbita e lépida: mamãezinha. Me botou no diminutivo e me aumentou três oitavas e um sustenido.

Conforme chorei.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Clarice Lispector, mãe

"Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...]."

Clarice Lispector

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Minha mãe dava um livro

Chegou toda empolgada, tinha visto uma blusa lin-da na vitrine. Descreveu em detalhes.

- E aí? Comprou.

- Calma, estou contando.

- Hum.

- Entrei na loja. Pedi para ver o preço, já nervosa.

- Comprou?

- Calma! Pensei assim: se custar até xis reais eu compro, não quero nem saber. Fico toda endividada, mas compro.

- E custava xis?

- Doce ilusão. Custava dez vezes xis!

- Que peninha.

- Pena? Graças a Deus, isso sim. Já pensou se eu compro aquela blusa?

- Ia ficar cheia de dívida, né?

- Isso é o de menos. O pior é que eu não ia usar nunca. Ia ficar guardada no armário, eu me conheço. Onde eu iria com uma blusa daquelas? Você parece que não regula!

Hoho.