A maternidade em grãos
Mamãe tá de ptó!
(Eu estava de top.)
Mamãe tá boniiiiiita!
(Eu estava alegre. Fiquei mais.)
O cabelo da mamãe tá torto.
(Eu pego aquele #!@&(%$ que tosou meu ex-cabelo reto!)
Quanta bagunça a Tina fez aqui!
(O quarto todo revirado, e pondo a “culpa” na babá...)
O papai chegou!!!
(Detalhe: chegamos os dois juntos, e eu apareci primeiro, abri a boca e os braços, fiquei agachada em ridícula pose deixa-que-eu-chuto... Mas ela só teve olhos para o papai, mamãe era de vidro.)
Olha o barrigão da mamãe aqui!
(E a mamãe, que estava de “ptó” (top), tomou juízo e vestiu logo uma bata.)
***
Agora, falando sério. É muito interessante notar como as crianças são observadoras, atentas aos detalhes e extremamente críticas. Ser mãe e ter uma natureza tímida é desconcertante, e é um desafio que se instala de forma tão gradual, sutil e definitiva (como tudo na maternidade, aliás) que a gente passa a se reconhecer nisso também. Faz parte. Agora eu sou uma tímida observada, questionada e imitada, quer queria ou não, e não sou eu quem dá a medida em nada disso.
Ninguém acorda mãe. Aquilo que a gente vê no hospital é um projeto de família, mas todo mundo está meio grogue e ninguém tem experiência suficiente sequer para encarnar o papel que lhe caberá pelo resto dos dias. Assim que cheguei em casa - e percebi que minha mãe ficaria, mesmo, uns dias aqui para me ajudar -, abri um berreiro espalhafatoso e acho que nunca fui tão filha em toda minha vida. Primeiros dias de mãe.
Depois, você agrega certos elementos conforme o bebê vai crescendo. Aquilo vai sendo incorporado à rotina e - não é exagero dizer – também à sua personalidade. É uma formação contínua, uma via de mão dupla de aprendizado, conhecimento e reconhecimento, estranhamento e identificação, agonia e amor profundo. Na versão sem cortes, naturalmente.
Outro dia, entrei no quarto dela mastigando um último farelinho de biscoito. Como não era hora de ela comer biscoito, tentei disfarçar dizendo alguma bobagem qualquer, perguntei se ela queria ir não sei aonde. Ela nem esperou terminar minha frase, já emendou:
- Mamãe tá comendo o quê?
Ora, as crianças possuem um detector de farelos, é tão óbvio! Como pude pensar que conseguiria esconder a minha travessura entre os dentes? Felizmente, um bocado de criatividade e jogo de cintura podem nos salvar nesses momentos, é só não deixar o farelo entalar no entendimento.
- A mamãe não está comendo alface. A mamãe não está comendo brócolis. (Não menti, mas também não pronunciei nenhuma palavra que despertasse um desejo incontrolável nela, como “biscoito”). Agora, vamos andar de motoca? (Uma vez resolvida a questão alimentar, botei a motoca na jogada e despistei a gula. Ufa.).
Nem sempre é assim. Muitas e muitas vezes, saio-me razoavelmente, e depois vou me esconder no banheiro a alfinetar considerações teóricas em mim mesma, como se tivesse a obrigação de ter me saído melhor, afinal, eu me preparei e li tanto a respeito, e tive minha filha já aos 29 anos, e tenho uma estrutura familiar tão bacana, blá, blá, blá.
O conhecimento – via intelectual - pode até vir em blocos, mas a maternidade é em grãos. E a paciência, que tanto se anuncia ser indispensável em relação aos filhos, é artigo fundamental de uma mulher consigo própria, e do homem idem, caso queiram ser pais razoáveis e manter os cabelos intactos, a consciência tranquila - essas coisinhas que parecem mal fazer diferença no nosso dia-a-dia (um estresse aqui, uma briguinha boba ali), mas acabam norteando os caminhos e definindo, afinal de contas, o modo com que escolhemos viver a vida.
O lado bom do grãozinho é que ele vira o chão que a gente pisa. E o lado difícil também.
2 comentários:
KKKKK.
É Bibi, quem disse que amaríamos ser "aprendizes" desses deliciosos "professores". E a cada dia nos surpreendemos mais com a inteligência e perspicácia deles não é?.É como eu digo pra minha mãe: são só pequenos em tamanho. Mas não são bobos não.
Beijos e parabéns pela linda gatinha.
aaaah me identifiqueiii, a minha filha eh assim, capazes de criticas certeiras q me desconcertam, alem d eum poko debochada..(isso posso culpar os gens)
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