quarta-feira, 6 de maio de 2009

A história das frutas no céu

Minha filha pegou uma gripe e está com uma tosse horrível, que “ataca” principalmente uns 20 minutos depois que ela se deita para dormir. É de cortar o coração vê-la acordar com aquela tosse que engasga, repete e vira um choro doído que só faz piorar o quadro. Corro até o quarto e ela me olha com aqueles olhos miúdos, Deus do céu, não há mãe ou pai que não se sinta um zero à esquerda por não poder fazer nada numa hora dessas, a não ser confortar.


A força do “S.I.M.” - Serviços Intuitivos Maternos

Já que estou falando de conforto, aqui vai uma especulação: serviços intuitivos podem ajudar. Outro dia, diante dessa situação horrível, e com ela no colo sem conseguir cessar o ciclo choro-tosse-choro, danei a contar uma história que inventei na hora. Era uma festa das frutas no céu.

Comecei a descrever a melancia chegando, com seu vestido verde e vermelho, depois a banana, a maçã, o kiwi e assim por diante. Cada fruta eu ia enfeitando com detalhes coloridos. Dizendo assim parece mentira, mas não é: ela parou de tossir em poucos segundos, foi se acalmando e prestando atenção na história, os olhinhos foram se fechando... Enfim, adormeceu. Todo o processo não durou mais do que três ou quatro minutos, e assim tenho feito a cada vez que ela chora com crise de tosse. É batata.

Depois foi que parei para pensar. Frutas no céu? Que maluquice tinha sido aquela? Por que eu teria puxado, de improviso, justamente uma história assim (e não assado)? Minha curiosidade literária – sem nenhum embasamento teórico, diga-se – não me deixou em paz, e passei a fazer uma análise subjetiva do que resolvi chamar de “S.I.M.”- Serviços Intuitivos Maternos. Foi divertido.

Se a minha necessidade, naquela hora, era dar conforto, vai ver criei uma festa de frutas no céu porque aquilo reunia vários elementos que eu queria poder dar a ela naquele momento. E, já que não podia proporcioná-los de fato, apelei para o poder simbólico. A saber:
- Frutas = frescor, saúde, variedade...
- Cores = divertimento, beleza, graça...
- Céu = paz, tranquilidade, descanso...

E assim por diante.

Além disso, minha micro-história só lida com categorias absolutamente conhecidas por ela (uma menina de 2 anos). Os elementos são familiares e fazem parte da sua rotina; talvez porque a demanda “gerar conforto imediato” não combine com “instigar novos desafios de linguagem”.

Outro ponto a se observar é a estrutura circular da micro-história. A fruta chega, é descrita em detalhes e, finalmente, entra na festa; depois chega outra fruta, e outra, e mais outra... E nada de suspense, clímax, pontos de virada ou qualquer coisa que desvie o rumo confortável, previsível, redondo e chatinho da conversa. Efeito sonífero!


Não acredito em bruxas. Mas que elas existem, existem

Finalmente, pode ser que todo esse exercício de pensar na minha micro-história improvisada como sendo um produto do Serviço Intuitivo Materno não faça sentido algum, e outros a considerem uma bobagem sonífera para marmanjo nenhum botar defeito. Tudo bem, não importa se as bruxas (e as mães) existem mesmo ou não. O fato, que pude testar e comprovar com experiência própria, é que há realmente uma cumplicidade saborosa e produtiva na delicada linha que nos une aos nossos filhos. E isso põe abaixo as fronteiras entre “realidade” e “imaginação”, já que o que realmente interessa é o afeto – quer coisa mais sólida e menos palpável do que isso?

Em outras palavras, é bonito pensar que ela, no desconforto da gripe, teve disposição para embarcar na minha historinha de frutas no céu. E é mais bonito ainda entender que eu, antes mesmo de perceber que ela possuía um barquinho, desembestei a falar – sem saber que já improvisava um riacho.

4 comentários:

Thaís Rosa disse...

ADOREI sua reflexão filosófica... muito lindo esse post.
bjs

Angélica disse...

Ai Bibi, eu BEM sei como é isso de tosse...
Meu menino também desembestou numa tosse dessas de dar dó (e partir o coração de qualquer mãezinha, né?).
E antes de dormir eu ou o pai acabamos sempre lhe contando uma estória também, mas a nossa não é inventada não, rsss. Tem um livrinho de que demos a ele já há quase 1 ano que ele ama e sempre pede para lermos.
Mas eu adorei a sua "doida estória inventada de frutas no céu". Na verdade, até eu tem horas que quero algo assim, sem ter que pensar. Só sentir o conforto e descansar.
Beijos pra você e sua pequena e melhoras rápidas a ela.

Luíza Diener disse...

ahahahhah! muito boa sua história!

minha mãe era então a senhora S.I.M.

ela gostava muito de contar a história dos legumes e verduras que pulavam, nadavam e se sacrificavam(?) na panela com toda a alegria para virar uma bela sopa para nós.

me trouxe alegria, divertimento, saúde e uma eterna admiração por sopa e seus contentes elementos abnegados :)

bibi disse...

Meninas, obrigada!! Ri muito e me emocionei com os comentários de vocês.
A Senhora Sim - mãe da Luíza - é um maravilhoso personagem, e o mais legal disso é todo mundo se divertir e refletir em conjunto aqui. Amo muito!
Beijos.