segunda-feira, 16 de março de 2009

Vomita-se

Foi de repente. Parecia um resfriado, o narizinho escorrendo, eu arrisquei: deve ter sido um choque térmico. Na mesma noite começou uma pequena febre, e a madrugada foi em claro no colo do pai. Os vômitos, a diarréia, o nosso susto e a tranquilidade do pediatra no telefone: todo mundo está tendo isso, é uma virose. Hum.

Nada foi tão grave, não houve febrão e ela nem ao menos perdeu o bom humor. Só ficou caidinha e um pouco assustada - nunca tinha vomitado antes. O fim de semana foi complicado.

- O que a Lara fez, mamãe? – perguntava, olhando a “sujeira” à sua volta, e visivelmente constrangida.

- Você vomitou, filha, e não tem problema. É assim mesmo. Vomita-se.

- Vomita-se. Vomita-se.

- Isso, querida. Vomita-se.

- Vomita-se. (Os olhos arregalados, repetindo a expressão de consolo que certamente não lhe diz nada, mas, pelo menos, desvia a sua atenção para um vocábulo novo. Já que não posso oferecer chocolate mesmo.)

Mas já está muito melhor, bola para frente. E vamos falar de coisas boas, urgentemente.
Necessita-se.

terça-feira, 10 de março de 2009

Gravidez precoce, consumismo, alienação... E a chave da casa

O documentário “Criança, A Alma do Negócio”, de Estela Renner e Marcos Nisti, mostra relevância e nos causa uma justa preocupação já no trailer (abaixo).



Assim que acabei de assistir ao vídeo, imediatamente me lembrei de uma reportagem que li esse fim de semana no Globo. Assunto: crianças que trocam horas de videogame por livros com mais de 300 páginas. Nas entrevistas, exibindo seus livros “grossos” e contabilizando as histórias já sabidas, os leitores mirins demonstram ser crianças absolutamente normais. Nenhum gênio, nerd ou partidário do isolamento social. Um deles confessou ter lido durante um recreio, na escola, mas não gostou. É consenso: o melhor lugar para ler é em casa.

Muitos devem ter pensado: “mas esses são a exceção da exceção, a maioria prefere encher a cabeça e o estômago de tranqueiras inúteis que geram dependência, doença, alienação...”. Acho que é justo, humano e produtivo direcionar os holofotes para aquilo que nos incomoda, mesmo que cause preocupação, culpa, pânico. Iluminar ajuda a pensar, avaliar e propor novas saídas para antigos e novíssimos problemas.

Mas havia, no final daquela reportagem, um pedacinho de frase que revela uma das chaves, talvez a mais simples e delicada do trabalhoso processo de educar. Uma menina contava: “Gosto de ler antes de dormir, no quarto, quando meus pais estão lendo.”.

Crianças aprendem, antes de tudo, por imitação. É preciso jogar luz no exemplo – a nossa verdadeira “chave da casa” -, e parar para refletir até que ponto as nossas ações são condizentes com o nosso discurso, independentemente da mídia, da indústria, do comércio, das tias, dos primos, dos amigos e demais influências a que estamos sujeitos. Não é nada fácil (quem gosta de se criticar? E quem consegue mudar velhos hábitos?), mas me parece fundamental; de outro modo, estaríamos sempre acusando o “mundo externo”, estupefatos e indignados no espinhoso desconforto da nossa poltrona de espectadores.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Maternidade insubstituível

Ontem eu ouvia no rádio uma conversa sobre câncer de próstata, quando alguém perguntou ao especialista o motivo de existirem tão poucas mulheres urologistas no Brasil. O médico respondeu que certamente há resistência por parte dos pacientes em serem examinados por mulheres – embora ele afirme que, ao contrário do que se poderia imaginar, as médicas não têm nenhum constrangimento, e mesmo as jovens residentes examinam homens com a maior naturalidade.

Continuando a mesma resposta, ele observa ainda que as médicas geralmente optam por especialidades como a dermatologia ou a radiologia (que não envolvem cirurgia), por considerarem que essas atividades lhes darão tempo suficiente para, além de cumprir a carga de trabalho, também cuidar dos filhos. E concluiu dizendo algo como: “assim, elas podem trabalhar fora e também exercer a insubstituível função da maternidade”.

***

Deméter - deusa grega da fertilidade

É verdade que a maternidade é insubstituível, e nenhum homem poderá ser mãe, pelo menos não tão cedo. Mas será mesmo uma função? E será que isso que se chama de “função” da maternidade é, de fato, algo que só pode ser exercido pela mãe?

Teria mil perguntas para emendar aqui. A questão é realmente complexa, e viver esse “exercício” materno, dia após dia, nos faz transitar pelas supostas convicções, deslizando entre argumentos racionais e picos emocionais que não estão sujeitos a classificações hierárquicas: “você fica aqui, querida tristeza etérea, que eu vou ali me dedicar ao aprimoramento intelectual das minhas verdades rochosas. E não me espere para jantar... Conversamos amanhã, isso se me sobrar um tempinho.”.

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sábado, 7 de março de 2009

A hora de ser pavãozinho

Garotinho de cinco anos brinca com a minha filha, de dois, na piscina infantil. Como todo garotinho (de até 90 anos, hoho), quer se exibir. Olha como eu sei fazer isso, olha como eu sei fazer aquilo, etc. Fico dando atenção aos dois ao mesmo tempo, já que sou a única adulta com os pés na água.

“Olha que bacana, filha, o fulaninho está nadando assim ou assado” -, digo a ela, e nunca sei se é por gentileza com o filho alheio, ou porque de fato estou me interessando por aquilo, ou porque acho que ela está, ou porque penso que deve ser “recreativo” ou “estimulante” ou simpático dizer o que estou dizendo. Enquanto observo minha filha e o pavãozinho de cinco anos na piscina, fico me perguntando se isso ou aquilo o tempo todo.

Vou avisando: é chato demais ser assim. Eu queria era ser um pouco mais pavãozinho, enfim, mas isso não vem ao caso.

O guri é um doce, bem educado, sadio, normal. Minha filha, idem. De repente, ela me pede para botar uma cadeirinha de plástico dentro da piscina, e eu atendo. Ela começa a brincar na cadeirinha e o garoto, óbvio, se interessa. Breve momento de distração dela, ele me pergunta: posso pegar? Permito.

Ele começa a inventar manobras elaboradas com a cadeira e me mostrar, enquanto minha filha fica olhando, ora admirada, ora distraída. Ela se volta para o lugar onde estava a cadeirinha “dela” antes e faz uma carinha triste/interrogativa ao perceber que sumiu. Mas permanece calada.

- Filha, você quer que a mamãe pegue outra cadeirinha para você?
- Quero.

Pego a outra cadeirinha e ponho na piscina para ela. Mal começa a brincar e o menino, para mim:

- Eu também consigo brincar com as duas. Será que ela não quer mais essa aí?
- Acho que ela ainda quer, sim...
- Quando ela não quiser mais é só falar que eu pego, tá?
- Tá.

Mais uma vez ela se distrai, e o menino aproveita para pegar a cadeira. Agora ele está com duas e ela, com nenhuma. Eu fico olhando a carinha dela para tentar descobrir se ficou chateada – em silêncio, decidi que só interferiria se ela demonstrasse alguma frustração. Mas ela não demonstra, pelo menos não naquele momento.

Aqui eu deveria ter perguntado: filha, você quer que a mamãe pegue outra cadeirinha? Você quer pedir a ele que devolva a sua?
Você quer que eu peça, que eu exija, que eu tome as duas cadeiras das mãos dele?
Eu deveria ter investigado, deveria ter me disposto a – simplesmente – perguntar?
Será?
Filha, você quer que a mamãe saiba o que dizer e como agir?
Você quer uma mamãe mais experiente e menos boboca?
Você quer uma mamãe que não escreva sobre isso? Você quer uma que engula as coisas e pronto? Você ficou chateada? As mães sempre sabem o que dizer? Deveríamos saber?
**
Logo nos distraímos e brincamos de outras coisas na piscina, inclusive com o pavãozinho simpático, e depois demos “tchau”, e tomamos nosso banho, comemos e assim por diante.

De noite, só nós duas no chão do quarto. Ela empurrava uma motinho verde e fazia questão de dizer “essa moto é minha”, várias vezes. Resolvi provocar:

- Empresta para a mamãe?
- É minha! - E escondeu entre as mãos, cruzando os braços.

Peguei massinha de modelar verde (a mesma cor da moto) e fiz um bonequinho. Comecei a conversar com ela, com voz de bonequinho, e perguntei se ela emprestaria a moto para “eu” (o bonequinho) dar uma volta. Sequer rolou um esboço de negociação: era não e não e não, a moto é minha, minha!

E o engraçado é que ela pegou simpatia pelo bonequinho, e começou a conversar com ele e a mostrar as coisas que a moto dela fazia. “Olha, a minha moto anda sozinha! Olha, ela anda em volta! Olha o banco dela. Olha as rodinhas.”

Talvez tenha chegado a sua hora de ser pavãozinho, e era mais seguro com um bonequinho de massa do que com um “gigante” desconhecido de cinco anos de idade.

Faz todo sentido, filhota. Insegurança à parte, o melhor que faço é observar e observar.