quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Filhota,

nós ontem fomos à piscina de manhã. Brincamos, gargalhamos, pulamos, corremos e explodimos em “tibum!” várias vezes.


Pai

Ele inventou uma brincadeira: jogava-a para cima e deixava “cair” na água de volta, estourando num sonoro “tibum!” que ela, excitadíssima e aos gritinhos, comemorava e pedia bis.

Parênteses: é claro que eu aproveito e me divirto, mas permaneço sempre me preocupando com calor, frio, chinelos, toalha, a hora do almoço, e até com as minhas pernas branquelas, incompatíveis com a região e a estação. É feio, sei, mas tenho uma inveja danada dos homens e de como se divertem despreocupadamente, essa é a palavra.

Ela estava de bóias nos bracinhos, e não era uma queda do tipo mergulho, porque ela ainda não mergulha. Apenas a farra, uma adrenalina calculada, promovida por um pai de carinho e disposição incalculáveis, como são os papais. Ou como todos podem ou desejariam ser ou ter sido. Quem teve um pai assim sabe como é; você guarda dentro de si uma espécie de aprovação contínua e, toda vez que ousa se divertir para valer – e sente algum medo, hesitação, ou não sabe se realmente merece -, um calorzinho interno faz que sim. Esse calorzinho é o “tibum!” da vida inteira, estimula e faz andar para frente.

Lógico, estou aqui observando a paternidade de uma poltrona absolutamente feminina e tão subjetiva - a menina que fui e a mãe que me tornei. Não é que os pais (todos) sejam mais soltos e despreocupados que as mães, e não é que as mães não estimulem seus filhos e não tenham o seu próprio modo de instalar a aprovação contínua dentro deles. Pelo contrário. Mas o “tibum!” materno é sempre tão falado, escrito e ilustrado que não consigo deixar de me voltar para a experiência da maternidade vista de dentro – diferente de tudo que eu imaginava até o último dia de gestação. Particularmente, não sinto como algo grandioso, extravagante, meteórico, heróico ou metafísico; acho que é observar e observar. Vista de dentro, a maternidade é muito mais para fora, mas é o “para fora” mais perto que jamais conheci.


Contradição

E dizem que as mulheres são confusas e contraditórias, então vou desdizer uma parte do que acabei de dizer sobre os homens/pais para mostrar que eles são iguaizinhos a nós.

Meu pai era e é, definitivamente, um homem com “tibum!”. Ao mesmo tempo, contudo, tinha uma preocupação excessiva (do meu reles ponto de vista infantil, claro) com certas condições higiênicas como o tamanho das unhas. Tanto que resolveu assumir a função de pilotar a tesourinha, e o que lhe sobrava em rigor higiênico faltava em habilidade motora, resultado: corríamos daquela tesoura como diabo da cruz, porque a aflição era certa. Persistente e satisfeito, ele encerrava o serviço sempre com um sorriso no rosto e passava a nos perseguir pela casa para que não tocássemos em nada sujo, não levássemos as mãos à boca, e coçar os olhos era motivo para bronca. Ora, o mundo é sujo e os olhos coçam.

E tem outra coisa, minha mãe tem uma discreta mania de limpeza – que eu criticava na adolescência, naturalmente, e que me vejo herdando progressivamente à medida que o tempo passa, um caso tão comum e previsto em qualquer literatura. Meu pai e minha mãe concordam, dentro de mim, e me perseguem loucamente pela casa com tesourinha e desinfetante em punho, dizendo as maiores barbaridades jamais previstas na pior das literaturas.

Resumo da ópera: não há homem ou mulher que seja puramente qualquer coisa, porque a nossa cabeça hospeda pai e mãe em eterno conflito e tumultuada harmonia, pela vida afora, pouco ligando se a nossa pretensa razão considera isso relevante ou apenas lixo emocional. O importante é como lidamos com o suco que sai daí.


Nós duas

Na volta da piscina eu te dei um banho morno na banheira, e você, ao sair, chorou um choro tão necessário, o visível desabafo do cansaço. Não quis interferir naquela melodia, simplesmente te abracei e, naquela hora, não conseguiria imaginar ninguém em meu lugar; ninguém em seu lugar. Só nós duas. Calor, frio, toalhas, chinelos e a hora do almoço ficaram para depois.

4 comentários:

Anônimo disse...

É verdade, como a relação "de pai para filha" é diferente de "mãe para filha", e como é bom ser mãe depois de ter sido filha, pra entender de vez porque eles (nossos pais) faziam daquele jeito com a gente. No fundo, acho que os pais têm mais tchibum porque sabem que, enquanto isso, as mães estão olhando no relógio e tomando conta do banho morno que vem depois. Às vezes dá vontade de trocar de lugar, sim, mas sem sair do nosso, tão delicioso.

Unknown disse...

Estava aqui pensando... que delícia vai ser pra Lara quando, daqui uns 18 anos, ela ter esse blog para ler de recordação!
Belo presente, Bíbi! Pra ela, e pra nós!!
Beijos

Anônimo disse...

É Bibi, eu tenho meio que uma inveja branca desses momentos "pai e filho". Falo sempre pro meu marido que eu queria ficar só curtindo com o pequeno e queria que ele fizesse a mala, separasse a roupa, fervesse as mamadeiras e preparasse a comidinha. É,mas não podemos reclamar, né? Na hora do "pega pra capar" é pra gente que eles correm ...
Beijos e parabéns pelo texto.

Unknown disse...

Texto lindo, que me trouxe doces recordações.
Beijo