segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Aprender com os filhos

Antes de ser mãe, sempre ouvi que “a gente aprende muito com os filhos”. Passei o domingo inteiro com ela. Workshop de poesia.

***

“Bonito”


Estávamos brincando no quarto dela. Tocou a campainha, ela fez uma carinha de expectativa e me perguntou:

- Quem é?

Resolvi devolver a pergunta.

- Quem será, filha? Quem você acha que é?

- Vovô.

- Você está com saudade do Vovô Luiz, filha?

- Bonito.

Ninguém escreveria um diálogo em que a resposta afirmativa para “você está com saudade?” fosse, simplesmente, “bonito”. É coisa de criança, pura poesia.

***

“Do meu coração”


Eu empurrava o carrinho pela calçada e, de repente, percebi que passaríamos por um homem dormindo no chão. Enrolado num cobertor sujo da cabeça aos pés, na verdade os pés e a cabeça apareciam, descobertos e cinzentos, dando impressão de que aquilo tudo era uma só coisa esquecida e abandonada, coberta e homem, unhas, cabelos, tristeza e só.

A primeira coisa que meu instinto materno – politicamente incorreto, claro – apontou foi: preciso desviar, ela vai sentir medo. Ela só tem pouco mais de um ano e meio, ainda não pode entender certas coisas. Vai se sentir ameaçada, imaginar que é um bicho, chorar, levar um susto. E tem mais: aquilo era a imagem da tristeza, da solidão e do abandono, e eu não quero que a minha filhinha tenha contato com isso tão cedo. Ponto final.

Uma vírgula, não dava mais tempo de desviar. Era dia de finados, a rua estava abarrotada, tinha maratona no Aterro e os carros estavam estacionados tão próximos uns aos outros que não caberia nem uma pessoa magra, que dirá uma mãe com carrinho. Não pude evitar; passamos pelo mendigo.

- O moço. O moço.
- Sim, filha, é o moço.
- Dormindo.

Apressei o passo.

- Isso mesmo, filha, o moço está dormindo.
- Quer ver.
- Eu sei que você quer ver, mas o moço precisa descansar, vamos deixar ele ali.
- Quer ver. Quer ver.

À medida que fomos nos afastando, ela deitou a cabecinha para poder acariciar o encosto do carrinho e, como faz com as bonecas quando está brincando, deu pequenas palmadinhas e cantou:

- Nana, moço, do meu coração...

9 comentários:

Dri disse...

simplesmente amei, maravilhoso!!
bjus DRI

Anônimo disse...

Olá Bíbi,
tô começando a ler seu blog agora, e claro, não consigo mais parar. A vontade é ler tudo de uma vez, depois reler (já reli pro meu marido algumas das suas crônicas) e depois começar de novo. E depois ainda te ligar pra te agradecer por ter escrito coisas tão lindas, e perguntar como que não somos melhores amigas de infância já que vc parece ser tãao legal!! Enfim, tô escrevendo mesmo é pra te dar parabéns. Você é sensacional!!! Seus relatos são leves, divertidos, interessantes... tudo de bom. Queria ter tempo pra ler tudo, mas enho que ir devagarzinho, só leio quando meus meninos deixam (gêmeos de 5 meses, 2 homens). Parabéns e obrigada!!! Você é fantástica e eu sei (tenho CERTEZA) que vc ainda vai fazer MUITO sucesso com esse blog. Aliás, não entendo como vc ainda não é MUITO famosa. Ou é, e eu que nem sabia?? Beijos!! Laira

bibi disse...

Caramba,
obrigada, gurias!

Laira, eu nao sou famosa, mas de hoje em diante serei conhecidíssima: a mulher que adquiriu o triplo do seu tamanho de tão inchada que ficou diante de um elogio! Kkkkkk!

Declaro publicamente minha amizade de infância a você, e meus agradecimentos. Me fez um bem imensurável.

Beijos mil.

Elaine disse...

kkkk (pelo comentario da Laira e pela sua resposta! amei). Faço minhas as palavras dela. Você não é famosa ainda? por que? Com certeza vc faria muito suceso com um livro sobre esse blog.

agora sobre o seu post, que maravilha, né... meu filhotinho tem só 6 meses, ainda está no dádádá. E eu não vejo a hora de ele construir pequenos dialogos!

beijos

Anônimo disse...

Nossa Bibi, essas crianças realmente nos surpreendem a cada-dia. E que delicadeza soou o "moço dormindo". Ela é um reflexo daquilo que você e seu marido a ensinam. Então, parabéns a todos!P.S.: apoio ao livro de crônicas!!!

:-P disse...

Lindo,menina!
Posso pôr no meu blog como link?
Beijos

bibi disse...

Elaine e Angélica: uau, thanks!

Malena: claro que pode postar no seu blog, fico feliz!

Meninas, eu trabalho mesmo com isso (texto) e por isso:

1) Faço parecer que sou bem mais legal do que sou de verdade! (kkkk! Brincadeirinha. Mais ou menos!)

2) o livro "Leve um Casaquinho - Crônicas de Maternidade" está realmente nos meus planos, num futuro próximo. Fiquei tãããão feliz em saber que vcs apóiam a idéia!!! Por enquanto, vou publicando aqui e guardando material.

Aliás e a propósito, eu já escrevi meu primeiro livro infantil, e estou negociando sua edição - quem sabe a turminha mirim aqui do blog não vai poder ler as minhas coisas daqui a alguns anos, né? Ou, melhor, as mamães já vão lendo antes...

Sério, obrigada mil vezes pelas visitas e comentários de vocês.
Beijos.

PS: Como é típico da profissão "jogar nas onze", também escrevi um roteiro para cinema (curta-metragem) que, apesar de ser uma história para adultos, tem como personagem central uma menina de 7 anos. E uma forte presença do sentimento materno.
Assim que tiver notícias sobre uma possível realização do filme, claro, vocês serão as primeiras a saber.

Anônimo disse...

Maravilhoso!
Essa minha sobrinha é o máximo!!!
beijos

Fabão disse...

Bíbi, eu entro neste blog há um tempo, e já adicionei aos links do meu blog.

Este post me deixou realmente emocionado e eu "linkei", ok?

Se quiser passar lá... Só não esqueça seu casaquinho. ;-)