terça-feira, 31 de julho de 2007

Tempo, vida, estréia

Quando eu estava grávida, gostava de brincar que ela já existia do lado de fora da minha barriga. Ficava imaginando como seria. Entrava pela sala e olhava para o sofá, por exemplo.

- Filhota! Diz oi para a mamãe.

Mas ela estava distraída com um chocalho colorido e não dizia.

- Filha, olha quem chegou: a mamãe! Diz oi, diz.

Nada.

- Só um oizinho...

Eu conseguia ouvir o chocalho, a buzina do caminhãozinho, a música do móbile; só não conseguia ouvir a voz dela. Tem coisa que a vida guarda para o momento da estréia. Sabiamente.

***

Agora que ela tem cinco meses, gosto de brincar que ela não existe. Entro pelo quarto, disfarçadamente, assobiando. Olho aquelas cores e digo para mim mesma “isso ficaria muito bem num quartinho de bebê”.

De repente, flagro aquela menininha risonha no berço. Caramba! Quem botou essa criança linda aqui? Danou-se. Será que eu vou saber cuidar?

Será, será, vou dizendo e pegando minha filha nos braços. Agora ela tem cinco meses. Agora ela tem quinze meses. Será, será. Agora ela tem dois anos, três, dezoito, quarenta. No meu colo, risonha, com cinqüenta e sete anos. É mais velha do que eu.

Meu Deus, será que eu soube cuidar direito dessa senhora?

***

Eu, grávida de seis meses, fazendo análise.

- Não vou saber o que dizer para uma adolescente. Sou incapaz. Tenho absoluta certeza, vou ser um fracasso como mãe de adolescente.

E a minha analista, paciente com sua paciente:

- Calma. A primeira coisa é deixar que ela nasça.

***

Com 12 anos, escrevi num diário um “recado para mim mesma”. Tinha toda uma teoria: a máquina do tempo existia, sim, e ali eu pretendia conversar com a “mim mesma” do futuro. Fiz lá umas previsões do tipo pretendo estar assim aos 20, assim aos 30 e assim por diante.

Alguém nunca fez isso?

Estapafúrdias as minhas previsões. Queria ser psicóloga, não fui. Errei alguns quilos para cá, centímetros para lá. Mas acertei a cidade, queria muito morar no Rio.

Listei uns trinta nomes de possíveis maridos para mim mesma me casar com “pelo menos um deles” (pelo menos um?) aos vinte e poucos. Assim, se eu encalhasse, não seria por falta de sugestões. Seria encalhamento mesmo. Marcelo, Maurício, Eduardo, João, Guilherme. Quis fazer uma lista bem imparcial, procurei nomes que não correspondessem aos dos meus coleguinhas de turma. Mas roubei de mim mesma e enfiei no meio um colega do caratê. “Caratê pode”.

Golpe do destino: casei só aos vinte e muitos, com um homem de nome lindo e até bastante comum, mas que eu nunca tinha namorado ou paquerado antes. E não tinha no caratê.

Tem coisa que a vida guarda para o momento da estréia. Sabiamente.

4 comentários:

Leonardo Villa-Forte disse...

Olá, sou amigo do Tomás. Legal sua crônica, gostei muito da frase "Tem coisas que a vida guarda para o momento de estréia." E a coisa de fingir que ela já existia e depois fingir que ela não existia também é interessante. Parabéns!

bibi disse...

Obrigada! Adorei receber visita de um amigo do Tomás, e seus comentários idem.
Abraços,

Anônimo disse...

Eu faço a maior propaganda!
Sou super fã!
Beijos,

Anônimo disse...

Obrigada, Tom!! Fico feliz demais. Beijos meus e da Lara.